Início de 2024, projeções, otimismo e críticas

Começamos 2024 com 180 graus de diferença versus 2023, o que era pessimismo em janeiro de 2023 se transformou em otimismo em janeiro de 2024.

A previsão de crescimento global para 2024 é de 2,6% de acordo com outlook da Goldman Sachs do fim do ano de 2023. Vários fatores sustentam esse otimismo: crescimento real da renda disponível conforme a inflação segue em tendência de queda sendo o principal. Embora o crescimento esperado seja mais lento do que em 2023, o impacto das políticas monetárias e fiscais no crescimento deverão ser sentidos. Acredito que o efeito retardado das condições financeiras mais restritas a partir de 2023 se manifestem em 2024, acompanhado do não-efeito da política fiscal mais leniente que deu suporte para a não-recessão de 2023. O cenário com certeza se fará mais desafiador que o que é aparentemente observado no momento.

Relatório #80 do BIS de dezembro de 2023 sobre o efeito retardado da política monetária nas economias, “será que dessa vez é diferente?”

Outro tema importante seria a atual expectativa de um potencial ressurgimento da produção global, especialmente à medida que os gastos com produção europeia em gás se normalizem e os estoques nos EUA estejam baixos depois de dois anos altos. Não obstante, a expectativa com a recuperação chinesa é um coringa para o andamento do volume de comércio a nível global, 80% correlacionado com aumento de lucros corporativos globais historicamente diga-se de passagem. Até o momento, o mercado tem preferido acreditar que os pacotes monetários e fiscais irão salvar o crescimento do ano. Eu tenho minhas dúvidas.

Quedas nos preços e nas vendas do setor imobiliário na China, fonte EFG.

Global Wave: pesquisa sobre expectativas industriais da Goldman, alguns analistas já apontam para uma normalização e volta de crescimento industrial depois do fim do destocking industrial de 2022 e 2023.

Assumindo este crescimento global mencionado e a “normalização do ritmo da inflação”, os bancos centrais teriam, portanto, o dobro de chances de reduzir as taxas em reação a ameaças econômicas adversas, ou seja, a Fed Put ficaria mais valiosa desde que seja usada apenas quando realmente necessário. De acordo com os ciclos históricos de elevação de juros, os crescentes déficits globais e os ciclos de investimento dos desenvolvidos, os fundamentos econômicos esperados nos principais modelos sustentariam taxas mais altas no longo prazo.

E os vencimentos de dívidas de High Yield e os problemas do mercado imobiliário comercial americano, por exemplo? E as expectativas colocadas em 2024 para quedas de juros sem que haja uma retração econômica muito forte? Algo não faz sentido nessa lógica, não importa o lado que você acreditar...

Relatório sobre Crédito da Goldman Sachs do fim de 2023 mencionando a quantidade de vencimentos de dívidas de empresas de High Yield para os próximos 18 meses.

Também temos expectativas de aumentos salariais e de inflação acima da meta projetadas no Japão, o que supostamente forçaria o Banco do Japão (BoJ) a encerrar o controle da curva de juros (YCC) até abril de 2024. A validação de dados de serviços é esperada em outubro, antes do abandono supostamente oficial da política de YCC, e de acordo com Goldman Sachs. Quando falamos em banco do Japão precisamos falar de liquidez também, afinal, se o Banco do Japão suspender seu controle da curva de juros, as dinâmicas do carry trade podem diminuir, prejudicando a liquidez artificial que foi exacerbada em 2023 no mercado de dólar fora dos EUA.

Acredito que o mercado também confundiu no final de 2023 um momento de maior liquidez com melhoria dos fundamentos, propositalmente ou não, as expectativas geradas não costumam ocorrer ao mesmo tempo. Por exemplo, os investidores esperam que o desemprego permaneça baixo, o consumo continue alto e o ritmo do crescimento de salários caia abaixo de 4% de crescimento anual, permitindo a expansão das margens corporativas.

As avaliações atuais de cenário de mercado no consenso dos analistas da indústria também refletem a suposição popular que a desaceleração do crescimento econômico será menor que anteriormente previsto e ocorrerá junto a queda no ritmo da inflação. Mesmo assim, a previsão de aumento de 10% nos lucros corporativos se faz presente. Se o mercado acredita em expansão de margens para justificar isso, então o efeito da perda de poder de precificação dos produtos das empresas na economia devido a deflação seria menor que as possíveis quedas nos custos de mão-de-obra, e, aumento de produtividade com a implantação de inteligência artificial e afins.

A mudança de expectativas de política monetária do Fed, junto a menores chances de recessão do que em 2023, explicam, no curto-prazo, a sobrecompra das ações nos EUA (20x lucros futuros) com o PIB estimado para desacelerar o crescimento, claramente o espaço para erros em 2024 é pequeno e vem ao mesmo tempo que alocação recorde recente do varejo em renda variável, receita certa para dessabores adiante.

Material de comitê da Morgan Stanley de 8 de Janeiro discutindo o fato de 2024 ser um ano que já se inicia com previsões de aumentos de lucro no S&P500 colocando o índice preço sobre lucro acima de 20 vezes, algo que historicamente tende a trazer retornos abaixo do esperado.

A credibilidade do Fed também apresenta um problema. O mercado esperava um "colchão" do Fed e acomodação após o "higher for longer" de julho e de repente veio a interpretação do "mission accomplished" de dezembro, o qual já começou a ser desmentida novamente em janeiro conforme os dados de consumo não pioraram tanto “até aqui”.

Ou seja, as projeções do Fed que inicialmente foram criadas para “reduzir volatilidade” nos juros, parecem ter se tornado uma fogueira de volatilidade no período atual (e uma fogueira de vaidade para os membros), e talvez essa fosse a real intenção dos membros do comitê. A audiência e o tratamento como personalidades importantes da sociedade só aumenta ao longo dos anos, só não são mais “deuses do Olimpo” que talvez os membros do STF no Brasil. Inclusive, o Powell estará no domingo agora 4 de fevereiro dando entrevista no famoso programa 60 Minutes...

O investidor que acompanhar com mais atenção as dinâmicas de liquidez estará bem preparado para o que vier. Os investidores não devem nunca misturar o momentum impulsionado pela liquidez com a melhoria no campo fundamental. Embora as condições financeiras estejam melhorando depois das quedas das taxas desde novembro, as expectativas de lucro estão caindo novamente no mundo fora das Mag 7. O programa do Fed para salvar os bancos regionais, BTFP expira em março, o Reverse Repo (RRP), um instrumento de redistribuição de liquidez, caiu de 2 trilhões para 700 bilhões, e estão sinalizando que poderá encerrar em breve, ambos são negativos para a liquidez no médio-prazo. Déficits fiscais crescentes, redução deliberada dos gastos na Conta Geral do Tesouro (TGA) e acordos engenhosos de financiamento de déficits usando a ferramenta de repo reverso do Fed compensaram as altas de taxa do Fed e o aperto quantitativo, fazendo o QT praticamente não ser sentido em 2023. Acredito que em algum momento durante 2024 essa dinâmica fique mais improvável de ser mantida.

Embora relativamente otimista, 2024 é previsto para apresentar volatilidade nos dados e riscos econômicos acima do normal. A produção industrial nos EUA e a demanda por bens enfrentam desafios, e os riscos das taxas de juros estão inclinados de forma assimétrica para taxas mais baixas que só serão entregues perante uma recessão. Riscos geopolíticos também existem. A linha otimista e a precificação de mercado estão próximas, e os juros de longo prazo estão expostos a preocupações de crescimento não recessivo não precificados.

Previous
Previous

Consumo e o acesso a crédito

Next
Next

Fim da Arbitragem no BTFP. Hora da verdade se aproxima dos bancos regionais.