Anos 60 e a Euforia

Esse é o trecho da carta mensal que escrevi no final de outubro para os meus clientes:

“Entre abril e o fim de outubro, o S&P 500 avançou cerca de 34% em relação à mínima do ano, uma recuperação notável, raramente observada fora de períodos pós-recessão. Os ganhos foram ainda mais expressivos nos segmentos de maior sensibilidade, como small e micro caps subindo aproximadamente 40% e 60%, e as empresas de tecnologia (ainda não lucrativas) acumulando, até o fim do mês, alta superior a 70%. Historicamente, outubro tende a ser um mês de volatilidade e desempenho negativo, mas desta vez o mês contrariou essa sazonalidade, os mercados ampliaram seus ganhos impulsionados por expectativas de continuidade de forte ciclo de investimentos em capital (capex) ligado à infraestrutura de inteligência artificial, reshoring industrial e transição energética, enquanto os investidores continuaram se beneficiando do ciclo de cortes de juros do Fed. Ainda assim, sob grande otimismo no sentimento de mercado, temas capazes de surpreender negativamente o atual ambiente começaram a se formar nos últimos dias do mês.

Levando em consideração tudo que foi escrito ao longo dos últimos anos, e observando indicadores de fundamentos que mostram o quão distante da média histórica o mercado global, e principalmente americano está, optei por fazer um breve artigo comparando o momento atual com os anos 60.

Valuations através da história, 2024-2025 se aproxima de períodos famosos como 1929 e 1999, mas e 1966? Todos esses períodos foram períodos onde o mercado estava “caro” e a euforia estava em “alta”. Fonte: Elliot Wave.

O padrão atual lembra o final dos anos 1960, quando os Estados Unidos viveram um grande boom de investimentos. As empresas gastavam fortunas em tecnologia e infraestrutura, enquanto o banco central hesitava em elevar os juros com receio de encerrar prematuramente a expansão. A combinação de novas ideias empolgantes, gastos públicos elevados e incerteza na política monetária acabaria definindo o período que ficaria conhecido como o “Go-Go Market”.

Os anos 1960 foram marcados por fundos que perseguiam retornos imediatos, um salto nos investimentos corporativos e um Federal Reserve relutante em estourar a bolha de confiança dos investidores. Era uma época em que o dinheiro parecia infinito, até deixar de ser. Investidores se concentravam em conglomerados e nas chamadas “one-decision stocks”, ações tidas como infalíveis, baseados na crença de que escala e inovação seriam capazes de desafiar a gravidade. Com o tempo, porém, os “pulmões financeiros” do sistema começaram a se fechar. Tanto os gastos fiscais militares e em bem-estar social, quanto o aperto no ciclo de crédito em 1966, evidenciaram desequilíbrios crescentes no balanço de pagamentos, e acabaram provocando problemas de liquidez e uma dolorosa correção em 1969–1970. A lição daquele episódio não foi de que o crescimento ou a inovação eram ilusões, mas de que regimes de liquidez podem ruir mesmo quando as narrativas permanecem convincentes. Quando o custo de captação se desconecta da política monetária, a realidade dos balanços substitui as histórias de valorização.

Hoje, o mercado também atravessa um superciclo de investimentos em capital (capex) nos setores de computação, energia e logística. A amplitude dos lucros está melhorando e as máximas dos índices são vistas como provas de força. Mas o “encanamento” do sistema financeiro fala por si a SOFR indica escassez de reservas, o QT continua pressionando os balanços dos bancos e o dólar não cede porque falta colateral em dólar. Cerca de um terço das small caps ainda não é lucrativo e tem custo de capital acima do retorno esperado, uma provável inclinação da curva de juros tenderia a favorecer as grandes empresas de sempre e as mais líquidas financeiramente. A inovação é real e o capex é transformador, mas um possível problema não estaria na imaginação, e sim na elasticidade do financiamento, exatamente como nos anos 1960. Se as autoridades monetárias não levarem isso em conta, a próxima correção não será uma crítica à inteligência artificial ou à produtividade, será apenas um ajuste de preços para refletir a liquidez que o mercado já vem sussurrando há semanas.

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